segunda-feira, 20 de abril de 2009

TROVÕES

Quando chove em João Pessoa ficamos esperando o inusitado. Um amigo que pilota aviões me disse que a nossa cidade é imprevisível, como um dado jogado no tabuleiro de um cassino, não há como ter certeza de como se comportará o clima. Ontem, à noite, por exemplo, caiam do céu umas tirinhas bem fininhas e frias d’água e de repente, São Pedro ficou irascível e despejou umas trovoadas que fizeram tremer a minha escrivaninha. Foi uma batida tão forte que doeu na pele, os cães ladraram e a gatinha persa correu e pulou sobre o meu colo e não houve palavra que a convencesse de sair. Ficou lá, pois não gosto de contrariar felinos amedrontados, basta o que aconteceu com um casal de atores amigos meus que resolveram afrontar de algum modo a suscetibilidade desses animais, foram quase estripados pelas unhas amoladas do bichano.

A chuva caiu como uma tromba d’água. As pobres telhas sentiram o furor da natureza. Nesta hora o melhor que há é ficar na cama ouvindo a melodia monótona dos pingos percutindo no telhado. Depois de alguma negociação com camille, a gata, fui até a janela para ver as biqueiras grossas como uma cachoeira. Desejei tomar banho de chuva, mas o frio intenso fez-me adiar o plano, para qualquer dia em horário mais conveniente.

Uma amiga me disse que nestas horas o melhor é ficar debaixo do cobertor bem agarradinho. Por enquanto, tenho que me contentar apenas com o cobertor que herdei de uma namorada. Os trovões continuaram cada vez mais fortes. Nestas horas o nosso espírito fica filosófico e começamos a pensar nas razões da vida, na metafísica, e na física mesmo. Os medos primários ressurgem, voltamos à idade das cavernas e não há conhecimento científico que nos assegure que aqueles raios não estão procurando deliberadamente nos acertar.

Aprendi o truque de contar, ao ritmo dos segundos, quanto tempo dura do relâmpago até o estrondo; multiplica-se por 300 e temos a distância da tempestade até nós. O som caminha à velocidade de 300 metros por segundo. À medida que a contagem aumenta temos a certeza de que o vendaval se distancia. É um recurso que nos ajuda a ter a ilusão de que estamos no controle da situação.

Fiquei na cama olhando através de uma telha de vidro que há no meu quarto. Gosto de olhar para estas telhas que me revelam tantas coisas bonitas e me permitem ter a sensação de que adormeço no campo olhando para o firmamento. Ontem, porém, era o pavor infantil que se encontrava com o adulto racionalista, um se amedrontava e o outro procurava as explicações. A cada descarga de eletricidade atmosférica um mundo de sensações e pensamentos se misturava indo de trás para frente no tempo, em voltas sucessivas.

Quando acordei na manhã seguinte tinha aquela impressão de que havia sonhado, é que naqueles momentos a nossa imaginação inventa tantas estórias que depois fica difícil desatar os laços entre a fábula e a realidade. Dizem os especialistas que lembrar é o mesmo que imaginar.

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