domingo, 29 de março de 2020

UMA MULHER SOBRE FILIPEIA

Numa época de isolamento social vemos que a libido explode nas redes sociais de uma forma natural construindo um erotismo de resistência. Temos que lembrar que a internet foi criada como um instrumento de sobrevivência a uma possível guerra nuclear entre os Estados Unidos da América do Norte e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas nos tempos da guerra fria. De fato, o que temos agora é uma guerra, e aquele instrumento terminou sendo o grande meio de luta pela vida. Mais uma vez o inimigo não é mais uma tribo vizinha ou um grupo de países contra outro, mas um microscópico vírus capaz de atacar as economias da maiores potências econômicas e militares do planeta.Em outros tempos já foi um asteroide.

Nestes últimos dias encontrei no aplicativo Instagram uma foto inusitada que foi postada pela atriz paraibana Vilma Cazé. A Paraíba é festejada como uma bela mulher. Há um poder feminino no ar quando se fala da Paraíba. Um corpo feminino sobre  Filipeia(um dos primeiros nomes da cidade) simbolizando a força das mulheres, e também denunciando  o grande número de violências que pairam sobre o feminino no mundo e também aqui.

Na foto ela está nua,no alpendre de seu apartamento, em um dos edifícios mais altos do centro de João Pessoa; na sua nudez o seu rosto difuso por uma sombra, contrasta com a luminosidade de sua vagina, um pouco depilada, mais ainda com uma linha de pelos pubianos. Tudo isto pareceria tão somente uma descrição de erotismo vulgar, se ao fundo não estivesse  algo extremamente simbólico para esta cidade. Imaginem que este corpo belo de mulher tem ao fundo, seguindo a linha de seu coração, o marco fundador de 5 de agosto de 1585 e a Rua General Osório, uma das mais antigas, vindo encontrar o seu ventre. Na linha do horizonte vemos o rio Sanhauá e os traços da cidade antiga.

Naquela imagem feminina, na foto de autorretrato(selfie), vemos a catedral metropolitana de Nossa Senhora das Neves e a Loja Maçônica Branca Dias. Fiquei observando como o feminino se ajunta naquela alegoria, entre o sagrado e o profano, pelos caminhos de ruas vazias.

Dizem algumas lendas antigas sobre a origem do mundo que antes de tudo existir, quando nada havia, uma mulher deu a luz a si mesma; depois pariu os seus filhos, que construíram os universos.

É interessante notar como a imagem, que foi com certeza, tomada de forma intuitiva,  guarde em si um poder simbólico tão poderoso. É uma imagem que resume bem esta coisa que é a Paraíba.

É uma imagem que evoca um erotismo de resistência,  em contraposição às forças destrutivas da morte. Fazendo a transposição da mitologia grega para os nosso dias, temos os dois grandes princípios: o de vida, representado pela mulher parindo a cidade e o da morte, ora representados pelos loucos perversos que fazem carreatas nas ruas para promover o fim do único remédio contra a contaminação pelo Corona Vírus, assim promovendo e desejando a morte.

Temos que crer que a grande maioria quer a vida. Há por outro lado forças minoritárias, mas poderosas que desejam a morte. Hoje podemos entender como agiam os “cidadãos de bem” da Alemanha nazista massacrando o povo judeu.

Dentro desta luta terrível, da vida contra a morte, surgem os artistas, que de formas inusitadas propõe releituras do real.

Eros, o deus grego do amor é associado às forças vitais, as forças de criação e construção do mundo, enquanto que Tânatos é a representação da morte. Esta explosão da libido são como bolhas da fervura. É possível verificar isso de forma ampla, a principio parece como algo ligado a um erotismo superficial, mas há um novo padrão. Esta imagem mostra como está o clima subjetivo da sociedade que teve que recolher Eros sob a ameaça de Tânatos.

O Exercício da quarentena lembrou-me das aulas de Psicanálise no Epsi sobre o luto, porque vivemos de fato a morte de um modelo de sociedade, não somente  do ponto de vista econômico, mas de relação humana. Toda esta geração está vendo e sentindo na pele morrer a “sociedade do sucesso individual”. Nós podemos também ver nas iniciativas "online" de eventos esta mesma força erótica, não no sentido vulgar da sexualidade, preparando-se para borbulhar. No entanto, esta ebulição tem um sentido de reação. Ela é uma negação do que está ocorrendo mesmo, que é a morte de um mundo. Daí a tentativa de fazer as mesmas coisas, mas os paradigmas já caíram e esta será uma percepção lenta. Nós também estamos vendo o desespero de pessoas de uma elite por vida social privilegiada, lutando para manter seu status quo numa luta para que o antigo mundo não acabe.

Algo muito forte aconteceu e tudo agora passará pela experiência pessoal de uma alma coletiva.

Aquela foto surgiu em um momento de quarentena, quando todos estavam, e ainda estão, isolados em suas casas procurando diminuir o poder de contágio do vírus Convid-19. A atriz em seu banho de sol em seu lar, resolveu fazer uma foto e teve a felicidade de  construir uma imagem emblemática, que anuncia que aquele mundo que conhecíamos não existirá mais, mesmo que se tente, pois algo muito grave aconteceu dentro de nossos espíritos.

Não há mais como negar o grande estrago que foi produzido pela mentiras que se tornaram forças propulsaras da sociedade. A verdade que ficou é a do belo corpo nu, sem medo, sobre o ponto fundador, como que anunciando que termos que nos reinventar como pessoas.

Sobra-nos a imagem da mulher que dá a luz a cidade, que é o lugar da civilização por excelência, como nos versos de Genival Macedo: “Paraíba hospitaleira,Morena brasileira,Do meu coração!” Após a peste vem o renascimento como já aconteceu na Europa medieval. Temos que manter o sonho, e aquela foto é um símbolo desta esperança e renascimento.

quinta-feira, 10 de março de 2016

A VIDA SE IMPROVISA

Li em algum lugar da internet uma frase que dizia de alguém que não sabia como viver, mas estava improvisando e, logo abaixo, havia uma imagem relaxante de pés sobre a grama verde de um parque.

Veio-me à mente aquela ideia da árvore sagrada dos Maias, Wacah Chan, cujas raízes conhecem a intimidade do submundo, o tronco está no mundo visível e os galhos se estendem pelo céu infinitamente. A imagem da árvore do mundo pode ser considerada como uma metáfora desta vida que se improvisa e tem tudo a ver com aquilo que chamamos de improvisação para o teatro.

Geralmente se tem a ideia de que improvisação é algo completamente sem sentido. Dizer que “se está improvisando” é equivalente a declarar que se está sem rumo ou direção.

No teatro, assim como na vida, a improvisação é algo mais complexo que tem a ver com a teoria do caos, uma teoria matemática que descreve sistemas dinâmicos não-lineares, quer dizer , sistemas de coisas que se modificam de forma não previsível aparentemente, mas que possuem regras internas de funcionamento. Segundo Júlio Torres: “Podemos dizer que com a visão complexa de mundo a realidade tem uma irregularidade regular, uma imprevisibilidade previsível, uma desordem ordenada”(1).

Assim não seria correto dizer que “se está improvisando” porque não se tem uma direção perceptível. Trazendo esta questão para o campo de conhecimento da improvisação teatral, a vida também é improvisada em cima de determinadas regras que nós mesmo ajustamos previamente.

Viver é mesmo como improvisar. Quando começamos um treinamento de um grupo para a improvisação teatral a primeira coisa que fazemos é estabelecer com toda propriedade alguns parâmetros norteadores.

Um dos primeiros exercícios utilizados com dois jogadores, o exercício do espelho(2), tem três fases: numa primeira etapa um jogador representa o espelho e o outro a pessoa que faz movimentos na frente do espelho; na segunda fase eles trocam de papel. Mas é na terceira fase que a mágica acontece, os dois são ao mesmo tempo espelho e espelhado e precisam estabelecer este dialogo de movimentos totalmente sincronizados; ao fazerem isso acontece um tipo de conexão que metaforicamente se assemelha à árvore do mundo a que nos referimos acima.

No cotidiano das pessoas, se está constantemente vivendo esta situação de espelho duplo. É um jogo permanente de adaptação. Improvisar é recriar-se, provocando ou sendo mergulhado em novas configurações e harmonizando-se, um processo de metamorfose constante.

Outro exercício muito importante são as orientações sobre o “que” se está fazendo, “onde”, e “quem” é o sujeito de ação. Estes parâmetros nos colocam diante do enigma de cada contexto em que estamos imersos.

O “que”, o “onde” e o “quem” estão intimamente ligados. Numa cena se você alterar um desses dados tudo se modifica. Na vida estamos sempre ajustando este “quem”, que é o papel social que representamos em cada contexto, com o “que” se está fazendo, e tudo isso interage com o lugar onde a ação acontece. De posse destes dados nós nos ajustamos e agimos de acordo com o necessário em determinada conjuntura.

As regras da improvisação teatral estão em nossa vida. Poderíamos então nos perguntarmos, que proveito nos trara saber disso? Ora, sabendo que a improvisação obedece às regras eu posso jogar melhor este jogo da vida, posso melhorar o meu roteiro.

E aqui preciso falar sobre roteiro, na improvisação, usamos o nome canovaccio, em homenagem à Commedia dell'arte, que era uma forma teatral onde atores profissionais improvisavam a partir de um conjunto de personagens fixos, tais como o Arlequim, Pantalone, etc.

O canovaccio contém as cenas, e cada cena diz quem participa dela, quem entra, quem sai e a descrição da ação principal.

Na vida temos roteiros semelhantes que possuem um dado extra que nos faz evocar a necessidade do jogo do espelho duplo, porque no dia a dia o que está acontecendo são encontros de roteiros um defronte o outro, e então precisamos saber jogar este jogo com outra pessoa.

Claro que se pode recusar isto, mas fatalmente o que se obterá será um acontecimento traumático. Se os dois jogadores se endurecerem em seus roteiros não haverá jogo. Mas se um deles continuar a jogar o improviso ele conseguirá se sair bem em qualquer contexto.

Há um outro jogo, que evoca o dialogo, que se chama “dar e tomar”, quando duas pessoas estão em situação de jogo, se uma fala significa que ela tomou a palavra e a condução da cena, se pára ela entregou a fala ao outro, e se alguém é interrompido significa que o outro tomou a condução do dialogo. Para funcionar este jogo necessita que se permita ao outro o tempo para ter a condução, se ele não entrega, você pode conduzi-la simplesmente deixando que vá ate cansar, e depois se retoma ou se recebe, ou se for o caso a cena termina. Na vida vez ou outra vivemos coisas assim.
E o mais importante, o roteiro é de responsabilidade de quem joga o jogo, ou você participa ou é levado como um elemento passivo.

NOTAS

1 - TORRES, Júlio. Teoria do caos. Disponível em: 

2 - SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987.


segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

MONÓLOGO SOB ENCOMENDA: O AMOR É DE GRÁTIS.

“O amor é de grátis” - foi o que escutei um dia desses de soslaio de uma conversa sobre as coisas deste nosso mundo econômico-social na qual se filosofava que não existia almoço grátis.

Bem, é verdade, mesmo que não haja como mensurar, o amor é algo muito maior do que qualquer enredo de telenovela, um misterioso “X” mais do que uma charada a ser resolvida.

O fato é que amamos “de grátis”. É comum se escutar esse “de grátis” vez ou outra. Acho que nada é mais verdadeiro que dizer que “o amor é de grátis”. Sendo assim gostaria de te dizer que te amo, mesmo na improbabilidade de meus sonhos impossíveis. Simplesmente te amo, “de grátis”, como dizia a personagem Mussum do programa televisivo de humor “Os Trapalhões”, talvez poucos se recordem dele, mas aquela personagem nos traz a lembrança de que talvez se possa encarar o ato de amar “de grátis” com uma piada.

Uma piada! É assim mesmo que me sinto, como uma grosseira piada ao amar desinteressadamente num universo social no qual tudo é calculado em seus deveres e haveres. Aceite então esta minha fala solitária e desengonçada, provavelmente mais uma peça de comédia do que uma lírica entrada em um paraíso perfeito.

Nesta ocasião lembro-me que estou adentrando os jardins da imperfeição. Amar significa aceitar a condição do outro, ou como se diz: ao que ama, o feio bonito lhe parece.

Observem que já estamos em companhia da comédia, do jardim dos loucos e das aventuras sem pé nem cabeça dos aventureiros que se largam ao mundo sem olhar para trás. Deves saber que poderíamos até cair no engodo de que esta coisa de amar se resume a uma frase curta que ilustra figurinhas colecionáveis, e por outro lado também se pode acreditar que o verso desta afirmação também é verdadeiro, o amor é tão largo quanto curto em sua definição, mas de que adiantam todas essas tergiversações, quando vier o próximo inverno saberei que você não estará comigo e então sem qualquer palavra saberei que é ou não amar.

É na solidão que aprendemos o valor das palavras e no silêncio de observar o outro em seu artesanato vivencial. Sabes que eu te amo, em ais de uma sequência de amores impostores e personagens refratários a toda explicitação.

Simplesmente iniciei sempre esta viagem de amar o impossível.

Tudo bem – diz o lugar-comum dos conselhos – que se deve se jogar na amplidão das nuvens e voar com as asas que ainda não vemos. Asseguram os conselheiros que nós as teremos, e que em algum momento elas se abrirão como um paraquedas pré-programado para abrir em uma altura determinada.
Assim, vou eu novamente a dizer-te secretamente que te amo, pois que dizer mesmo em significantes vocábulos de uma língua traduzível não seriam eficazes. E nem mesmo a língua mágica dos comediantes de rua, o grumelot, serviria para este propósito. Posso até ensaiar um grumelot nestas reticências…

Mas perceba que tinha razão quando disse que o amor parece refratário a qualquer linguagem, no amor não há linguagem conhecida, talvez seja algo mais do pensamento, algo translúcido e fora da nossa percepção comum.

Após o fim dos tempos irei lamentar de que te disse pouco o quanto te admirava, e recordarei somente quando ias em teu caminho e eu te observava, deixando-te passar, como a brisa que passa e embala o nosso rosto numa tarde quente de verão.

Somente isso é mais do que suficiente para crer, que vale a pena saber que “o amor é de grátis”, totalmente sem taxas alfandegárias, sem impostos sem revistas, sem detectores de mentiras.

No amor vale amar, é assim que se lê em tantos lugares comuns. Então, caríssimo amor saiba que estou por aqui te amando mesmo assim, e se agora desdobro o meu soliloquio diante do mar é porque imagino a possibilidade de talvez aquela coisa, lá na linha do horizonte, ser você em um pequeno barquinho sendo carregada pelas ondas para os meus braços.

Diz uma voz no fundo de minha alma que te aguarde aqui na areia, não porque se deva temer estas miragens como armadilhas das encantadoras sereias. Dizem que os barquinhos no mar sonham com um porto seguro onde chegar.

E se há um barco no mar olhando para o continente, que seja eu este porto que te espera, portanto vem que estou aqui.


E se desdobro a faina de construir esta fantasia é porque como dizem: “o amor é de grátis” e podemos usufruir dele mesmo em sua longa espera. Podemos estar protegidos da corrosão dos espíritos vazios que se entorpecem de coisas vãs sem nunca saber que amar é algo assim tão bom. 

 Hoje sonhei que quando voltasse a caminhar na areia tu te juntarias a mim e se poderiam ver as marcas de nossos passos gravados por um instante antes que as ondas as desmanchassem.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

CARTA DE ANIVERSÁRIO

Queridos amigos e amigas,

Tenho recebido calorosas manifestações de carinho por ocasião de meu aniversário e gostaria de dizer que existo graças ao carinho e ao amor de vocês.

Existimos no outro sempre como uma possibilidade de diálogo. Somos partes todos uns dos outros, interligados como uma grande rede neural infinita.

Sempre quando olho para as estrelas fico imaginando como é bom vivermos sob o mesmo firmamento, as constelações inclusive a de escorpião, que marca o meu ingresso neste lugar terreno, e agradecer, agradecer por tudo, por toda a experiência. Agradecer a oportunidade de estar com vocês sob o mesmo céu.

Lendo as mensagens que me enviaram vejo que a maioria das pessoas consegue perceber coisas boas em mim, e eu não tenho assim tantos méritos como se anunciam. Tenho mais defeitos e limitações; muitas vezes mais vícios que uma mínima virtude. É que os nossos defeitos habitam um profundo porão; a coisa mais difícil do mundo é reconhecê-los. Até me assusto com a minha inabilidade em tentar dissimulá-los. Agradeço então a indulgência com que me presenteiam.

Existo com vocês, e mesmo na eternidade do mundo espiritual vamos existir em função desta fraternidade. Acredito que somos todos irmãos e irmãs nesta essência infinita no corpo de  Deus. Sei que as palavras não conseguem expressar adequadamente esta atualidade que transcende o senso comum.

O tempo é  um lugar do universo no qual não podemos nos recusar a caminhá-lo. A vida como ela é se manifesta como esta caminhada, cultivar esta terra magnífica.

Neste dia 25 de outubro completei 57 voltas ao redor do sol, esta é uma medida infinitesimal diante do universo, mas para nós é como uma grande vitória.

Penso em tantos amigos e amigas, familiares, colegas de teatro, professores, que há muito se foram desta raia olímpica vital, que completaram a sua corrida de alguma forma, e também a eles eu quero agradecer, pois foram importantes na minha construção como pessoa.

Ainda estou aqui para mais uma volta, e giros menores ao redor de mim mesmo na aventura diária.
Quero agradecer a paciência, e os bons olhos que todos me dirigiram.

 Viver é estar em comunhão, saber estar ao lado, escutar o outro. Foi assim que aprendi a vencer qualquer possibilidade de angustia.  Quando estou com vocês seja pessoalmente ou através do pensamento me sinto com sentido de vida. Todos os que nos rodeiam nos dão sentido.

 Tem tantas pessoas que nos cruzam a vida e que nos amam sem que saibamos de seu amor, e tantas que magoamos com as limitações de nossa personalidade-alma, esta personalidade que se manifesta aqui carregando todas as perfeições possíveis, mas manifestando as imperfeições que temos em nosso eu. Como não manifestá-las?

 Imperfeições minhas, pelas quais peço desculpas, a todos que feri, sem que me desse conta disso, inebriado pelo orgulho e pela vaidade.  E, envergonho-me de ainda hoje não ter uma noção completa das dores que possa ter causado. Mas isto não me imiscui de minha responsabilidade; as dores do outro que foram semeadas por mim são de minha exclusiva responsabilidade. Por isso peço o perdão de vocês; perdoem-me as asneiras que fiz.

Estamos agora vivendo estes maravilhosos interlúdios conscientes quando levantamos pela manhã para mais um período de vigília e graças à memória somos capazes de recompor a nossa unicidade com os dias que já passaram. Tenho então esta gratidão imensa pelas boas memórias que vocês todos me trazem e rogo a Deus que proteja cada um de vocês, que lhes favoreçam mais voltas ao redor de nossa estrela e assim que todos possam um dia nos seus maravilhosos anos avançados ver e festejarem toda esta arrebatadora experiência no planeta Terra.

Desejo saúde e paz, a todos vocês, que realizem os seus objetivos, que tenham a sabedoria de escutar a voz de sua consciência para guiá-los no caminho que estão construindo.

Tenhamos confiança em nossas forças naturais, não há tempestade que não possamos enfrentar. Nós seremos sempre bem sucedidos em nossas vidas vivendo a experiência arriscada do caminho que construímos com amor, paz, cordialidade e confiança extrema de que venceremos todas as lutas. Tenhamos a certeza de que muitos problemas que surgem, são de fato algo parecido com efeitos especiais do cinema; são coisas que se alimentam de nossa própria luz que somos os projetores que as desenham; não há como temer a miragem de ilusões que nós mesmos produzimos. Portanto, não temamos, a maior parte dos problemas são invenções nossas e os outros são pequenos caminhos diferentes que nos foram dados para aprender coisas novas.

 Muito obrigado a todos. Um beijo no coração. Ainda nos encontraremos muitas vezes.


Everaldo Vasconcelos

terça-feira, 16 de agosto de 2011

BENZEDURAS AMOROSAS DE LÚCIO LINS


Faz alguns anos, no conhecido Bar do Baiano no bairro dos bancários, um sábado. Lá estava como de costume;  um grupo de artistas  que faziam daquele lugar  um ponto de encontro. Eu havia ido lá com o amigo Tarcísio Pereira para  comer um arrumadinho, e compartilhar da conversas e das músicas sempre presentes através do talento de muitos de nossos melhores instrumentistas e compositores.
Naquela ocasião, depois de umas tantas idas vindas de tantos assuntos, entre literatura, teatro, música, cinema, arranchou-se em nossa mesa o poeta Lúcio Lins, sempre com um cigarro na boca e vez outra bebendo uma dose,  perguntou-me se estava solteiro, ao que respondi que sim.  Ele então pegou uma caneta e um dos guardanapos que estava sobre a mesa e escreveu os poemas  que comento abaixo.
Disse-se que seria um meio infalível de conseguir um amor quase instantâneo. E explicou-me que deveria aproximar-me do ouvido da mulher pretendida e dizer:  “Tu sabes de mim, / de todos os meus sinais”.
Então eu deveria dar uma pausa, respirar com tristeza e dizer: “Sabes dos meus ais”
 Ele explicou-me o significado, esclarecendo  que as mulheres têm no homem um ente hermético que não pode ser decifrado; então, a melhor forma de começar a conquistar uma mulher é garantir-lhe que você não tem segredos, que todos os seus segredos estão colocados diante dela. Continuou declamando:  “E muito mais /  tu sabes de mim”.
Disse Lúcio  que ela ficaria um pouco atônita. Então deu uma tragada naquele cigarro terrível e continuou: “Mas / pouco sabes de mim / Quando eu sou só / Quando eu sou só coração”.
Neste instante entre a algaravia que tomava conta do ambiente por causa de alguma celeuma cultural surgida entre outras mesas aproximou-se mais de meu ouvido;  disse-me que somente será feliz numa conquista o homem que se colocasse como um ser perdido, sozinho, pois mulher alguma havia de gostar de alguém que estava sendo cortejado por inúmeras outras.
Então continuou, quando ela lhe olhar com aquele olhar brilhante, diga: “E o coração fica louco./ Ora bate muito / Ora bate pouco / Bate à porta do peito / Tarde da noite / Tarde demais / Não tem  mais jeito”.
Lúcio fez uma pausa respirou o cigarro e alertou que a mulher ficará com enlevo daquele homem sozinho e desprotegido e aflorando o seu lado maternal o olhará com fineza e inconfundível ternura. Mas ainda ficará na estreita, pois se acostumou que os homens são em sua maioria lobos em pele de cordeiro, e que por vezes isto faz parte de sua natureza inconstante. O poeta respirou fundo e terminou a escrita dos versos: “O coração / Não tem mais sentimento / E o meu coração / Não tem mais coração”.
Assinou o poema e levantou-se. Disse-me que este poema era como benzedura de velha rezadeira do sertão, daquelas que nunca falham para afastar o mau olhado. Concluí então que aquela deveria ser uma benzedura de bom olhado, um poema miraculoso que poderia trazer para perto de quem o pronunciasse a mulher amada.
Lúcio voltou a minha mesa e disse:”  Everaldo se ficar só no poema, pode ser que não aconteça nada então você tem que beijá-la. Faça isto e diga este outro poema”.
“Beijar teus lábios / Todos os lábios / Lábio por lábio / até saber teu labirinto”
“Então a beije sem autorização;  se ela não ficar contigo, pelo menos você não levará uma tapa na cara.”Finalizou Lúcio e se foi.
Embrulhei o poema e guardei-o até que fazendo uma limpeza em minha biblioteca, folheando o livro de Tarcísio Pereira “Agonia na Tumba”, eu reencontrei, hoje que o poeta já se foi de nosso convívio. Não encontrei estes poemas  em outros livros dele. Então para mim este é um livro especial, escrito num guardanapo, frente e verso com os poemas de amor mais belos da língua portuguesa. A poesia em Lúcio era algo que brotava de si naturalmente, ele trabalhava dentro de seu mundo  interior e era capaz de conversar como se participasse de um desafio poético numa simples conversa sobre assuntos triviais.
Este poema de efeitos sobrenaturais, que o próprio poeta fazia relação com as evocações mágicas, retoma esta idéia do poeta como aquele que manipula forças além da compreensão, e também a crença de que as palavras somente pela sua pronuncia tem algum poder.
Os dois poemas são interdependentes  também, um primeiro que faz uma investida sobre os aspectos mais subjetivos como tentando preparar os caminhos da emoção e um segundo que faz da ação a sua relação de existência. No segundo poema será necessário dizê-lo e agir .  Um poema total que sai do papel e se torna algo real durante e após o beijo.


quinta-feira, 30 de junho de 2011

ASTROLOGIA REVERSA



Quando olhamos o céu e vemos a imensidão de estrelas ficamos imaginando o que elas teriam a haver com as nossas vidas. Ainda trazemos as lembranças dos tempos primitivos quando os nossos ancestrais habitavam um mundo no qual a escuridão da noite se abria como um livro estranho sobre as suas cabeças.

É sempre era possível imaginar que os acontecimentos do dia teriam alguma relação com aqueles astros, que formavam aquelas figuras luminosas na abóbada celeste. Assim foi que após milhares de anos surgiram as ciências divinatórias associadas ao céu, às estrelas, aos planetas. Ora, esta ciência tão antiga foi forjada na observação criteriosa dos comportamentos humanos e na elaboração de uma tipologia cujo dinamismo permitiria descrever qualquer tipo de coisas que tivesse uma personalidade, tanto uma pessoa, como um grupo, aí se incluindo uma família ou um país.

 Este conhecimento antigo que foi sendo trazido até ao nosso tempo se chama astrologia. Esta palavra está intimamente associada aos horóscopos dos jornais, e ao desejo de todos os seres de preverem o futuro.  Por um lado é útil acreditar neste poder dos astros, pois que de tanto observar aquele céu misterioso a criatura humana formulou uma série de categorias sobre a sua vida que servem de parâmetros para muitas reflexões sobre a existência.

Algumas pessoas acreditam que o movimento dos astros influencia a sua vida, o que deve ser verdade. Outras pessoas acreditam que tudo isto é apenas uma grande fantasia, o que também é verdade. Esta invenção fantasiosa tem a sua utilidade se pudermos desvendá-la  ao nosso modo.

Cada ser humano tem inscrito dentro de seu ser aquele céu primitivo onde se movem todas as estrelas desde a origem do universo. E utilizando as ferramentas da astrologia é possível  ler este firmamento interior. Como vocês perceberam, existe uma astrologia exterior e uma astrologia interior. A psicologia analítica através dos estudos de Jung demonstrou como aqueles símbolos são úteis na decifração de nossa psique.

O conhecimento destes símbolos pode ir ainda muito mais longe através de um recurso que chamo de astrologia reversa, uma astrologia ao contrário. Isto é, ao invés de a data, a hora e o local de seu nascimento determinarem o seu destino, você é quem determina a sua fortuna, determinando qual o signo que melhor lhe representa em determinado momento, qual o seu ascendente, e onde cada planeta deve estar no seu mapa astral.

A idéia é você desenhar o mapa astral perfeito  para o que você quer, colocando os astros nas casas astrais e signos de acordo com a simbologia que já existe codificada há milênios.

Este mapa de astrologia reversa é uma ferramenta poderosa de planejamento de vida, porque  te mostra em um amplo desenho de conjunto todas as forças relacionadas com aquela tua percepção sobre a  tua vida.  Já fiz alguns mapas de astrologia reversa tanto para mim como para algumas pessoas amigas. É interessante  notar como eles são capazes de mostrar com clareza as tendências dos acontecimentos, é como se o mapa astral fosse um relógio de eventos, e você pudesse ver para onde as coisas estão indo.

Outra coisa interessante é montar mapas de astrologia reversa ara das pessoas como uma forma de estudar a nossa percepção sobre elas e ir ajustando o mapa à medida que o nosso conhecimento  avança; esta é uma ferramenta que poderia ser muito útil se fosse usada por setores de Recursos Humanos de empresas que recrutam profissionais.

Para aplicar a astrologia reversa você precisa conhecer a simbologia e o funcionamento da astrologia tradicional, que continuará a exercer o seu poderoso fascínio através dos séculos.

A astrologia reversa poderá ser  somente um instrumento de autoconhecimento ou de estudo da personalidade de pessoas ou de grupos. Você mesmo poderia tentar fazer o seu horóscopo reverso, consultando os signos do zodíaco, os seus significados, e decidindo primeiramente o que seria mais descritivo de seu momento atual. Lembrando que na astrologia reversa você pode mudar de signo a cada vez que elaborar um mapa para estudar uma situação.

É  possível  que muitas pessoas achem que isto não tem valor algum. A psicologia tem muitas teorias com dezenas de tipologias da personalidade, classificações essas que são usadas comumente para elaborar diagnósticos os mais variados.

Agora imagine uma ferramenta que é capaz de oferecer infinitas possibilidades de arrumação, para descrever detalhes minuciosos da vida de uma pessoa, esta ferramenta é justamente a astrologia reversa, que utiliza todo o conhecimento da astrologia, para oferecer um sistema de classificação de personalidades em movimento e não como coisas estáticas.

Apenas como desafio, responda para si mesmo:  qual é o seu signo solar agora neste momento?

sexta-feira, 27 de maio de 2011

ANIVERSÁRIO CÓSMICO

Hoje eu experimentei uma inexplicável saudade cósmica; estava estudando outro assunto quando de repente me vieram à memória os momentos  iniciais de nosso universo e pensei  o que faríamos nós sem aquele big bang inicial. Lá fora caía uma chuva irregular;  tão simples e aleatória  como a previsão meteorológica para João Pessoa;  uma sensação de distância de eventos tão fortes como os que marcaram a origem das coisas que conhecemos.

 A saudade das coisas nas quais estamos imersos, não é como uma melancolia desencadeada pela ausência, mas uma sensação de que  estamos em movimento presos a leis gravitacionais que nos obrigam a girarmos uns em torno dos outros. 

Eu senti  como se hoje fosse o aniversário daquelas galáxias distantes que conhecemos apenas pelas fotografias da NASA;  então,  corri para a pastelaria e comprei um bolo de chocolate e pus sobre ele um fósforo aceso, tal que o mesmo pudesse se transformar  em cinzas e lá ficar como testemunha do que somos de fato, algo que se consome na brevidade dos séculos na linha do tempo.  Lembrando que o tempo em dimensões que somente a matemática pode enxergar não é linear como o que vemos nos ponteiros do despertador.

Enchi a boca de bolo e com um copo de guaraná, pus-me a ficar feliz com as possibilidades que o curtíssimo interlúdio consciente de nossas vidas proporciona. Ora, a vida são estes entreatos da consciência de vigília que colecionamos nos álbuns e recortes da memória,  que por ser algo biológico também sofre os movimentos de claros e escuros de suas prateleiras neurais.

Fui comendo o bolo e saboreando a nossa existência, nós que estamos agora sob a mesma abóbada, nestas voltas ao redor do sol;  o gosto do universo naquele chocolate amargo e denso e no suave gaseificado do guaraná, que era champagne, e agora por motivos estranhos à felicidade perdeu a sua denominação antiga.
Aquele bolo é como a saudade;  quando um dia pararmos á beira-mar  e pensarmos, sobre como ele estava gostoso e mesmo depois de tantos anos adiante,  ainda voltaremos àquela sensação de sabor; mesmo no filme final que se desenrolará  diante de nós nos instantes de passagem para outro plano, virá a lembrança daquela densa  guloseima. Quando tivermos vivido tudo, poderemos dizer que  valeu a pena parar por uns instantes enquanto o sol se punha e ter aquela gostosa saudade do dia, da maravilhosa luz da consciência que vivemos por tão breve instante.

Cada criatura, do hipopótamo , até  aquelas que somente os microscópios podem ver, tem também esta oportunidade de compartilharem do instante em podem estar juntas. É como se tudo o que existe tivesse um momento de simultaneidade e estes momentos são como uma identidade, uma marca tão forte como uma impressão digital do universo. Vale a pena parar para sentir este momento, e reverenciar as vezes em que se pode estar perto das pessoas para compartilhar com elas esta coisa que chamamos vida.

O vale das coisas felizes é este que estabelecemos com as nossas boas memórias das boas relações que edificamos com todas as coisas vivas;  estas redes de relacionamentos não tem uma data , nem uma localização geográfica e vivem no tempo muito além do que a imaginação possa arquitetar.

Há mais coisas que esta saudade cósmica poderia nos ensinar e que a meditação poderia ajudar a revelar.  Um grande amigo me disse que estes instante solitários de saudade cósmica são estágios necessários para descobertas importantes.

Assim, cuidei de não comer todo o bolo, para que pudesse lembrar de que as coisas boas devem deixar uma presença, uma aura que se estica além de sua presença material. Comer tudo somente me afastaria do momento de fazer aquela festa para o aniversário hipotético do nascimento do universo. Uma festa como essa precisa ser repetida outras vezes e por motivos singelos, sem qualquer pompa, e secretamente de cada qual consigo mesmo.

Entre todos os mistérios da existência, este de sentir-se bem consigo próprio,  sem mentiras nem artifícios, é algo muito poderoso que precisa de mais atenção neste mundo onde tudo é feito para compor a fantasia do que se representa em sociedade; este grande palco de vaidades que consome tantas energias.  

A ciência pode medir a velocidade das coisas que se afastam daquele centro de onde, ainda,  tudo  vem para o mundo da existência.  Olhando para aquele  ponto de onde tudo começou, e continua a recomeçar, num movimento infinito, com o gosto de chocolate na boca, desejei  um feliz aniversário ao universo e segui olhando para as primeira estrelas que apareciam no firmamento.