Li em algum lugar da internet uma frase que dizia de alguém que não sabia
como viver, mas estava improvisando e, logo abaixo, havia uma imagem
relaxante de pés sobre a grama verde de um parque.
Veio-me
à mente aquela ideia da árvore sagrada dos Maias, Wacah Chan, cujas
raízes conhecem a intimidade do submundo, o tronco está no mundo
visível e os galhos se estendem pelo céu infinitamente. A imagem da
árvore do mundo pode ser considerada como uma metáfora desta vida
que se improvisa e tem tudo a ver com aquilo que chamamos de
improvisação para o teatro.
Geralmente
se tem a ideia de que improvisação é algo completamente sem
sentido. Dizer que “se está improvisando” é equivalente a
declarar que se está sem rumo ou direção.
No
teatro, assim como na vida, a improvisação é
algo mais complexo que
tem a ver com a teoria do caos,
uma teoria matemática que descreve sistemas dinâmicos não-lineares,
quer dizer , sistemas de coisas que se modificam de forma não
previsível aparentemente, mas que possuem regras internas de
funcionamento. Segundo
Júlio Torres: “Podemos
dizer que com a visão complexa de mundo a realidade tem uma
irregularidade regular, uma imprevisibilidade previsível, uma
desordem ordenada”(1).
Assim
não seria correto dizer que “se está improvisando” porque não
se tem uma direção perceptível. Trazendo esta questão para o
campo de conhecimento da improvisação teatral, a vida também é
improvisada em cima de determinadas regras que nós mesmo ajustamos
previamente.
Viver
é mesmo como improvisar. Quando começamos um treinamento de um
grupo para a improvisação teatral a primeira coisa que fazemos é
estabelecer com toda propriedade alguns parâmetros norteadores.
Um
dos primeiros exercícios utilizados com dois jogadores, o exercício
do espelho(2), tem três fases: numa primeira etapa um jogador
representa o espelho e o outro a pessoa que faz movimentos na frente
do espelho; na segunda fase eles trocam de papel. Mas é na terceira
fase que a mágica acontece, os dois são ao mesmo tempo espelho e
espelhado e precisam estabelecer este dialogo de movimentos
totalmente sincronizados; ao fazerem isso acontece um tipo de conexão
que metaforicamente se assemelha à árvore do mundo a que nos
referimos acima.
No
cotidiano das pessoas, se está constantemente vivendo esta situação
de espelho duplo. É um jogo permanente de adaptação. Improvisar é
recriar-se, provocando ou sendo mergulhado em novas configurações e
harmonizando-se, um processo de metamorfose constante.
Outro
exercício muito importante são as orientações sobre o “que”
se está fazendo, “onde”, e “quem” é o sujeito de ação.
Estes parâmetros nos colocam diante do enigma de cada contexto em
que estamos imersos.
O
“que”, o “onde” e o “quem” estão intimamente ligados.
Numa cena se você alterar um desses dados tudo se modifica. Na vida
estamos sempre ajustando este “quem”, que é o papel social que
representamos em cada contexto, com o “que” se está fazendo, e
tudo isso interage com o lugar onde a ação acontece. De posse
destes dados nós nos ajustamos e agimos de acordo com o necessário
em determinada conjuntura.
As
regras da improvisação teatral estão em nossa vida. Poderíamos
então nos perguntarmos, que proveito nos trara saber disso? Ora,
sabendo que a improvisação obedece às regras eu posso jogar melhor
este jogo da vida, posso melhorar o meu roteiro.
E
aqui preciso falar sobre roteiro, na improvisação, usamos o nome
canovaccio, em homenagem à Commedia dell'arte, que era uma forma
teatral onde atores profissionais improvisavam a partir de um
conjunto de personagens fixos, tais como o Arlequim, Pantalone, etc.
O
canovaccio contém as cenas, e cada cena diz quem participa dela,
quem entra, quem sai e a descrição da ação principal.
Na
vida temos roteiros semelhantes que possuem um dado extra que nos faz
evocar a necessidade do jogo do espelho duplo, porque no dia a dia o
que está acontecendo são encontros de roteiros um defronte o outro,
e então precisamos saber jogar este jogo com outra pessoa.
Claro
que se pode recusar isto, mas fatalmente o que se obterá será um
acontecimento traumático. Se os dois jogadores se endurecerem em
seus roteiros não haverá jogo. Mas se um deles continuar a jogar o
improviso ele conseguirá se sair bem em qualquer contexto.
Há
um outro jogo, que evoca o dialogo, que se chama “dar e tomar”,
quando duas pessoas estão em situação de jogo, se uma fala
significa que ela tomou a palavra e a condução da cena, se pára
ela entregou a fala ao outro, e se alguém é interrompido significa
que o outro tomou a condução do dialogo. Para funcionar este jogo
necessita que se permita ao outro o tempo para ter a condução, se
ele não entrega, você pode conduzi-la simplesmente deixando que vá
ate cansar, e depois se retoma ou se recebe, ou se for o caso a cena
termina. Na vida vez ou outra vivemos coisas assim.
E
o mais importante, o roteiro é de responsabilidade de quem joga o
jogo, ou você participa ou é levado como um elemento passivo.
NOTAS
1
- TORRES, Júlio. Teoria do caos. Disponível em:
http://www.teoriadacomplexidade.com.br/teoria-do-caos.html.
Acesso em: 7 mar. 2016.
2
- SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São
Paulo: Editora Perspectiva, 1987.
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