quinta-feira, 10 de março de 2016

A VIDA SE IMPROVISA

Li em algum lugar da internet uma frase que dizia de alguém que não sabia como viver, mas estava improvisando e, logo abaixo, havia uma imagem relaxante de pés sobre a grama verde de um parque.

Veio-me à mente aquela ideia da árvore sagrada dos Maias, Wacah Chan, cujas raízes conhecem a intimidade do submundo, o tronco está no mundo visível e os galhos se estendem pelo céu infinitamente. A imagem da árvore do mundo pode ser considerada como uma metáfora desta vida que se improvisa e tem tudo a ver com aquilo que chamamos de improvisação para o teatro.

Geralmente se tem a ideia de que improvisação é algo completamente sem sentido. Dizer que “se está improvisando” é equivalente a declarar que se está sem rumo ou direção.

No teatro, assim como na vida, a improvisação é algo mais complexo que tem a ver com a teoria do caos, uma teoria matemática que descreve sistemas dinâmicos não-lineares, quer dizer , sistemas de coisas que se modificam de forma não previsível aparentemente, mas que possuem regras internas de funcionamento. Segundo Júlio Torres: “Podemos dizer que com a visão complexa de mundo a realidade tem uma irregularidade regular, uma imprevisibilidade previsível, uma desordem ordenada”(1).

Assim não seria correto dizer que “se está improvisando” porque não se tem uma direção perceptível. Trazendo esta questão para o campo de conhecimento da improvisação teatral, a vida também é improvisada em cima de determinadas regras que nós mesmo ajustamos previamente.

Viver é mesmo como improvisar. Quando começamos um treinamento de um grupo para a improvisação teatral a primeira coisa que fazemos é estabelecer com toda propriedade alguns parâmetros norteadores.

Um dos primeiros exercícios utilizados com dois jogadores, o exercício do espelho(2), tem três fases: numa primeira etapa um jogador representa o espelho e o outro a pessoa que faz movimentos na frente do espelho; na segunda fase eles trocam de papel. Mas é na terceira fase que a mágica acontece, os dois são ao mesmo tempo espelho e espelhado e precisam estabelecer este dialogo de movimentos totalmente sincronizados; ao fazerem isso acontece um tipo de conexão que metaforicamente se assemelha à árvore do mundo a que nos referimos acima.

No cotidiano das pessoas, se está constantemente vivendo esta situação de espelho duplo. É um jogo permanente de adaptação. Improvisar é recriar-se, provocando ou sendo mergulhado em novas configurações e harmonizando-se, um processo de metamorfose constante.

Outro exercício muito importante são as orientações sobre o “que” se está fazendo, “onde”, e “quem” é o sujeito de ação. Estes parâmetros nos colocam diante do enigma de cada contexto em que estamos imersos.

O “que”, o “onde” e o “quem” estão intimamente ligados. Numa cena se você alterar um desses dados tudo se modifica. Na vida estamos sempre ajustando este “quem”, que é o papel social que representamos em cada contexto, com o “que” se está fazendo, e tudo isso interage com o lugar onde a ação acontece. De posse destes dados nós nos ajustamos e agimos de acordo com o necessário em determinada conjuntura.

As regras da improvisação teatral estão em nossa vida. Poderíamos então nos perguntarmos, que proveito nos trara saber disso? Ora, sabendo que a improvisação obedece às regras eu posso jogar melhor este jogo da vida, posso melhorar o meu roteiro.

E aqui preciso falar sobre roteiro, na improvisação, usamos o nome canovaccio, em homenagem à Commedia dell'arte, que era uma forma teatral onde atores profissionais improvisavam a partir de um conjunto de personagens fixos, tais como o Arlequim, Pantalone, etc.

O canovaccio contém as cenas, e cada cena diz quem participa dela, quem entra, quem sai e a descrição da ação principal.

Na vida temos roteiros semelhantes que possuem um dado extra que nos faz evocar a necessidade do jogo do espelho duplo, porque no dia a dia o que está acontecendo são encontros de roteiros um defronte o outro, e então precisamos saber jogar este jogo com outra pessoa.

Claro que se pode recusar isto, mas fatalmente o que se obterá será um acontecimento traumático. Se os dois jogadores se endurecerem em seus roteiros não haverá jogo. Mas se um deles continuar a jogar o improviso ele conseguirá se sair bem em qualquer contexto.

Há um outro jogo, que evoca o dialogo, que se chama “dar e tomar”, quando duas pessoas estão em situação de jogo, se uma fala significa que ela tomou a palavra e a condução da cena, se pára ela entregou a fala ao outro, e se alguém é interrompido significa que o outro tomou a condução do dialogo. Para funcionar este jogo necessita que se permita ao outro o tempo para ter a condução, se ele não entrega, você pode conduzi-la simplesmente deixando que vá ate cansar, e depois se retoma ou se recebe, ou se for o caso a cena termina. Na vida vez ou outra vivemos coisas assim.
E o mais importante, o roteiro é de responsabilidade de quem joga o jogo, ou você participa ou é levado como um elemento passivo.

NOTAS

1 - TORRES, Júlio. Teoria do caos. Disponível em: 

2 - SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987.