sexta-feira, 11 de março de 2011

AS MUSAS DE HOJE


“Preciso de uma musa que me conte estórias, que me faça adormecer com os seus sonhos”.

Tal foi a notícia que se podia ler numa parede de um dos corredores da universidade.

Tudo bem se fosse apenas umas das intervenções urbanas, destes muitos grafites que se espalham pelas paredes e murais. Este pedido no entanto estava colocado num cantinho quase imperceptível.  Eu sei que há muitas musas, quase infinitas criaturas neste imenso universo de tantos mundos paralelos, mas aqui entre nós, neste recanto sublime, faltam seres desta natureza. Aquele pequeno recado apontava para este problema tão cruel.

Um grande amigo poeta dizia-me que estava vivendo a insegurança de ter que ver secar a sua última inspiração de inanição em um copo de uísque por falta  de uma musa. Estava chamando o espírito alcoólico daquela bebida de “Odete” em homenagem à marca Old Eight daquela aguardente de  cereais com malte.

Outra amiga contista disse-me que são poucas as razões para as musas permanecerem em nosso mundo, que não é mais um lugar para estas coisas platônicas. Segundo ela deve-se  criar com “a merda cotidiana” fazendo  o jornalismo da realidade assumindo que a velocidade da informação torna obsoleta qualquer obra tão logo é publicada.

Citei acima dois casos extremos. Claro que as musas clássicas, que presidiam as artes liberais, estavam com dificuldades para conviverem com este nossa humanidade atual. As antigas musas eram filhas de Zeus com a deusa da memória Mnemósine. Eram elas: Políminia, Calíope, Clio, Érato, Euterpe, Melpômene, Terpíscore, Tália e Urânia.

Polímnia, era a musa dos hinos, da poesia sagrada, da geometria, da agricultura e da meditação. Tinha um ar pensativo. Uma moça muito calma e sem qualquer vaidade. Num relance da visão sobre os campos se podia vê-la com ramos de videira e instrumentos agrícolas, ou recostada em algum lugar com o olhar absorto no horizonte. Numa época de canções degeneradas, como constatou a corajosamente a jornalista Rachel Sherazade da TV Tambaú , esta musa mudou-se de planeta.

Calíope, era a filha mais velha e tinha os atributos que esta posição lhe conferia sendo considerada a rainha entre as irmãs. Ela presidia a poesia épica sendo a responsável direta pela escrita da Odisséia e da Ilíada. Dizem as más línguas da critica literária que Homero sequer existiu, que foi somente um dentre tantos outros que foram usados pela musa para compor estes poemas que fixaram a alma grega em um pergaminho. Ela é sempre vista com livros. Na universidade, às vezes temos a impressão de ver esta musa entre as estudantes sentadas na Praça da Alegria do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes da Universidade Federal da Paraíba.

Clio, era a musa da história e da criatividade e a fiadora das relações políticas entre as nações. Suspeita-se que tinha o espírito fogoso do pai e que teve um caso com o historiador Heródoto que apaixonado nomeou o primeiro capítulo de sua obra, A História, com o nome dela. Esta é uma fofoca mitológica, sem qualquer fundamento, até mesmo porque  Heródoto colocou nos outros capítulos os nomes de suas irmãs. Para despistar, talvez.

Érato, ela  era a musa da poesia erótica, que nada tem a haver com o significado atual da palavra “erótico”. Foi grande amiga de Safo, poetisa que viveu na cidade de Mitilene, capital da ilha grega de Lésbos. Elas eram tão próximas que Safo chegou a ser considerada como a décima musa, pois eram vistas juntas constantemente. Esta musa, como disse um amigo filósofo de botequim, “pegou o beco prá casa da amante no mar Egeu”.

Euterpe, era a musa da música e da poesia lírica. Foi a inventora do Aulos, que é uma espécie de flauta. Ela estava sempre presente como aquela que proporciona prazer aos que a invocam. Lembrando também que no nosso mundo a palavra “prazer” virou somente o cultivo do descontrole dos sentidos. Esta magnífica criatura olímpica é uma das grandes  abandonadas, ela poderia ser hoje a musa das maiores abandonadas.

Melpômene, era a musa da poesia dramática, notadamente a tragédia.  Ela sumiu, como diz um humorista amigo, desde que o pessoal das televisões locais tentaram contratá-la para apresentar um programa de churrascaria policial nos horários das refeições.

Terpíscore, era a musa fagueira e saltitante que presidia a dança. É uma das poucas que ainda visita a terrinha. Tem sido vista em Campina Grande e em algumas casas de João Pessoa.

Tália, era a musa da comédia. Aqui na Paraíba fez amizade com a Companhia Paraibana de Comédia. Dizem que se hospeda na casa de Biuzinha. De todas as musas é a única que não se importa com as mudanças de hábitos da humanidade. Ela reina sobre estas contradições contemporâneas  e pode ser considerada como a ponta do fio de Ariádne para a luz no fim do túnel.

Urânia, era a musa da astronomia. Dizem que atualmente fica sentada em cima da lua olhando para as aventuras extra-terrestres da humanidade.

O fato é que estas nove musas pertenciam a outro tempo. Hoje  há uma sensação de orfandade criativa. Perderam-se  as intimidades com aquelas mulheres divinais. Hoje elas respondem através das técnicas de criatividade. Tomaram outros nomes e na maioria das vezes são apenas receitas de uso das energias criativas sem uma personalidade.

Encontrei  um livro que fala sobre as musas nestes tempos confusos escrito por Jill Badonski: As nove musas dos tempos modernos( e seu guardião). Ela lista a existência de nove tipos e um guardião. Partindo da constatação de que estes tempos são difíceis para a conexão com as musas, assume  no entanto que será possível reencontrar o mistério se estivermos dispostos a deixar que a beleza nos encontre.

No entanto precisamos de algo que proteja este mistério, que o guarde das emoções superficiais e das maneiras egoístas da maioria das candidatas ao posto. Por isso, o livro ensina que as musas destes novos tempos têm um guardião,  que defende as verdadeiras musas e o seu poeta dos intrusos. O nome deste guardião segundo o livro é Arnold, um nome de fantasia inspirado no ator Arnold Schwarzenegger. Dizem que as musas gostam muito do estilo do Arnold e isto serviria de contrapeso para os artistas magrinhos e sem atrativos. As musas têm uma forte queda por caírem na folia e não gostam mais tanto daquele clima diáfano de criação artística sem um calor mais concreto de músculos e prazer. Nos tempos que oram passam as musas saíram do mundo das idéias para a existência entre as criaturas humanas e tal qual elas.

As nove musas modernas  são:  Aha-frodite; Albert; Bea Maluquinha; Canção; Extrovertida; Audácia; Sossegada; Sombra e Marge. Vou lhes narrar brevemente a minha experiência quase alucinógena com cada uma delas.

Aha-frodite significa uma idéia e paixão pela criatividade. Deve ser invocada para despertar  o impulso criativo, contemplar a magia da atenção e captar e a saborear a inspiração. Esta é a descrição que encontramos no livro. Eu aproveitei um momento em que estava sozinho e fiz a invocação desta musa. No primeiro minuto nada aconteceu de especial, mas no minuto seguinte apareceu-me uma criatura de pele alva e cabelos encaracolados negros com uma fala de sotaque espanhol perguntando-me se havia passado por ali uma menina birrenta correndo atrás de um ursinho de pelúcia. Os olhos da criatura olharam-me com tanta verdade que fui obrigado a admitir que não tinha prestado atenção aos transeuntes  e muito menos para uma garotinha com as descrições que me dava. Pensei seriamente em dizer-lhe que estava variando do juízo, mas em virtude de sua companhia, um cara alto musculoso e forte como o exterminador do futuro(referencia fílmica obrigatória), resolvi fingir que acreditava no que estava se passando. Ela se foi e eu fiquei com aquela impressão de que esta primeira musa iria ficar me vigiando por aí. Ela parecia com uma cigana num primeiro momento e em outro com uma rainha e noutro com coisa alguma que eu já tivesse visto.

Albert significa imaginação e inovação. É uma homenagem a Albert Einstein. Fiz a invocação a Albert  quando estava sentado em um ônibus coletivo lotado da linha 202, com destino ao Bairro do Geisel, às seis horas da tarde. Este ônibus neste horário tem muitas semelhanças com os trens da central do Brasil no Rio de Janeiro em horário de pique, ou com aqueles trens do metrô de Tóquio nos quais cada milímetro está rigorosamente preenchido por alguma parte de alguma pessoa. Ao chamar por Albert, percebi que uma garota de rosto oval, muito bonita, cabelos louros visivelmente pintados, abriu a sua sacola cor de rosa e retirou dela uma coleção de sapos e rãs que foram se espalhando pelo veículo. O mais surpreendente é que as pessoas não se abalaram com este fato inusitado. Ao contrário, incorporaram os anfíbios às suas conversas. O mais impressionante é que os animais entraram nos diálogos como se fossem um passageiro qualquer. Não dava para esconder a minha admiração de tais acontecimentos. Albert perguntou-me se eu não estava curioso com o que poderia acontecer em seguida. Os seus olhos eram tão belos que não pude resistir ao convite.

Bea Maluquinha significa "seja maluco em nome do brilho criativo". Mal abri a boca e pronunciei o seu nome e vi uma garota caminhando sobre as águas da lagoa do Parque Solon de Lucena em João Pessoa. Pensei que estava sendo vítima de algum processo alucinatório, pois convenhamos que é loucura alguém caminhar sobre as águas nesta cidade. Os habitantes da antiga Felipéa de Nossa senhora das Neves sabem que aquelas águas são lodacentas e podem afundar qualquer criatura mortal, apenas a loucura justificaria os que se aventuram em sua lama e muitos tem pago com a vida tal ousadia. No entanto, lá estava Béa maluquinha. Ela veio até mim e disse:
- “O que acha disso ?”
Eu respondi que era uma excelente metáfora, mas que do ponto de vista real era insensatez. Ela me disse para segui-la. Eu admito que esta seja uma boa metáfora para lhes falar sobre a loucura criativa, que é acreditar em caminhar sobre as águas e fazer esta caminhada a despeito do que pensem todos inclusive eu mesmo.

Canção significa cultivo, encorajamento e boa companhia, alguém para nos cantar elogios. Canção me veio num momento em que olhava para a lua. Ela sentou-se ao meu lado nas areias de Tambaú. Acariciou os meus cabelos e encostou o seu corpo ao meu de modo que podia sentir a sua respiração. Esta é a musa do amor e da amizade verdadeira. Tão importante que não há muitas palavras para descrevê-la. Ela surge nos momentos mais inesperados. É aquela fonte de energia que nos impulsiona para a frente. É uma criatura mutável, em sua forma física, podendo apresentar-se de muitas maneiras. É a musa que recarrega as suas baterias. Ela é tão forte que quase não precisa do Arnold para protegê-la.

Extrovertida significa não tenha medo de errar. Esta musa sempre vai bater à sua porta e você vai mandá-la embora por variados motivos. O nosso tempo desaprendeu a cultivar a ousadia e conformou-se a aceitar os modelos de perfeição preestabelecidos. Tudo o que conta é que você quer ser reconhecido pelos seus amigos. A musa extrovertida surge no meio deste processo, vem sem que seja invocada, mas é necessário aceita-la. Ela também é muito temperamental e por experiência própria quando os seus belos olhos azuis se sentem rejeitados, ela te abandona e deixa você na mesmice das obras perfeitas e comuns.

Audácia, significa não se preocupar com as opiniões alheias. Certa vez logo depois de ler sobre ela no livro chamei-a enquanto caminhava pelo Parque Municipal Arruda Câmara. Ela surgiu nua entre os leões e causou um alvoroço imenso. Os leões, claro, nem sequer deram qualquer ar de incômodo. O público agoniou-se com a cena que prenunciava uma tragédia. Ela olhou-me com e com o pensamento disse-me:
-“Estamos sozinhos, o que você quer de mim?”
Tive que me afastar para que aquela musa não abusasse de mim em público.

Sossegada, significa interrupção, pausa e folga. Quando invoquei por ela eu estava no meio de uma importante reunião de planejamento, muita gente tensa, muitas palavras  sem produzirem nexos. Ela veio na figura da moça que servia o cafezinho, linda e reconfortante. Devo admitir que de todas as musas esta foi a que me pegou de primeira sem qualquer questionamento. Acho que devo ter bebido uns trezentos cafezinhos entre um minuto e outro. Ela levou-me para sua casa, um ninho numa nuvem que fica pairando sempre sobre a nossa cidade. Ela tem o nome meio plácido, mas é muito animada.

Sombra significa o lado sombrio. Esta é uma criatura perigosa se você não souber como evocá-la e como mandá-la de volta para a sombra. De fato, ela está sempre ao seu lado, anda colada com você. É capaz de detonar qualquer coisa que você esteja fazendo. É ciumenta ao extremos, possessiva, muitas vezes parece-se com um vampiro que somente toma-lhe as energias e é capaz de rompantes de mal humor desconcertantes. Ela deve sempre ter a sua hora, mas tenham a certeza de que ela vai querer mais. Ela sempre vem de formas diferentes e amolda-se às circunstâncias. Saiba agradá-la. Acho que é a única musa de quem Arnold tem medo.

Merge  significa começar agora. Quando você está sem saber como dar o pontapé inicial basta chamar por Margie. Ela é a musa que começa um trabalho. Eu estava com dificuldade para fazer a pintura do muro de meu jardim, então me lembrei dela e a invoquei, no instante seguinte uma bela criatura entrou pelo portão e perguntou se podia ajudar, claro que sim, quem iria recusar uma ofertas dessas. Esta criatura ficou comigo até que tudo estivesse terminado. Eu já tinha me apaixonado, mas não tive sequer tempo de perguntar se era bacana ser uma musa. Ela desapareceu tão misteriosamente como chegou.

Por experiência própria eu sei que cada pessoa especial que cruza as nossas vidas tem um pouco destas musas descritas.

Se encontrar com o livro das musas modernas, dê uma olhada nele.

sexta-feira, 4 de março de 2011

A HEROÍNA ANDREZA AMARAL


Hoje, 4 de março de 2011, o destino me fez cruzar com uma heroína, alguém de carne e osso, mas que se tornou um símbolo da aviação civil brasileira. Faz pouco tempo que esta mulher impediu que um dos tratores comandado pela Prefeitura Municipal de João Pessoa destruísse a pista do Aeroclube da Paraíba em João Pessoa.

A pista foi destruída pelas outras máquinas.  A força malévola e truculenta do poder público municipal, nesta atual fase sem o seu grande girassol, sem a luz que lhe guiava e agora sob a influência de forças ocultas conseguiu, numa ação que a população da cidade assistiu aterrorizada,  destruir uma pista de pouso e decolagens que tem registro internacional. Sabíamos todos que aquela pista que completou 70 anos não era somente uma tira de asfalto, que tinha uma história, que era controlada pela Agência Nacional de Aviação Civil, que servia de base para aeronaves militares, que servia de base para aeronaves do ministério da saúde, que tinha de plantão uma UTI Aérea, coisas que os moradores da cidade se acostumaram a conviver. Uma pista que aparece até no Microsoft Simulator, que é um jogo de simulação de vôo. Além, dos ultraleves que embelezavam o nosso céu e os pára-quedistas que se tornaram parte do céu como o sol, a lua e as estrelas.

O ato Heróico de Andreza Amaral não foi inútil. Hoje com o seu ato, mesmo com o amordaçamento da imprensa, plenamente perceptível quando se folheia os jornais locais, as notícias circulam através da rede libertária da internet e ficamos sabendo dos fatos.

Tive a honra de apertar a mão de Andreza. Senti a mesma força quando tive a oportunidade de apertar a mão de grandes heróis da luta socialista como Luis Carlos Prestes e Gregório Bezerra. Eram personagens de outro contexto, de outras lutas. O que Andreza em minha opinião tem em comum com eles é a capacidade de colocar a própria vida em risco pela luta de um ideal justo. Lutar pela única Escola de Aviação Civil da cidade de João Pessoa e por sua pista de pouso e decolagens é um ideal justo. E hoje, infelizmente, assisto em minha cidade um crescente medo de articular uma opinião divergente, principalmente daqueles que por dependerem de alguma forma do poder público temem alguma represália.

Ainda em dezembro escrevi uma mensagem no Facebook assustado com o caráter autoritário do decreto de desapropriação, que já naquele instante achava algo desproporcional pela ARROGÂNCIA de sua publicidade. Não imaginava que as coisas teriam um desfecho ainda mais truculento. O texto era o seguinte: "Pense em um prefeito autoritário! É o prefeito de João Pessoa. A personificação da soberba. Abro o jornal hoje de manhã e vejo ele e sua equipe exibindo do alto de seu poder o decreto de desapropriação do Aeroclube. O Aeroclube recebeu de presente de 70 anos este ato de traição da Prefeitura Municipal. É bom guardar o jornal para lembrar às gerações futuras quem estava presente neste ato de covardia. O atual prefeito quer reformar a cidade passando por cima de quem estiver na sua frente. Tenha calma prefeito."

O tempo vai passar e aquela foto tirada pelo fotógrafo Marcus Antonius irá perdurar. Aquela foto ressurgirá sempre que se falar de aviação civil e das dificuldades dos aeroclubes, estará presente quando se falar da coragem da mulher paraibana, estará presente quando se falar dos arroubos autoritários de futuros governos, porque os ditadores estão sempre à espreita na pele de algum cordeiro.

O gesto de Andreza Amaral entrou para a posteridade. Quando os pára-quedistas lançarem-se ao espaço sobre a iluminada cidade de João Pessoa verão do alto em seus corações a imagem daquela frágil mulher, lutando desproporcionalmente com a truculência do autoritarismo municipal.

Resta-nos agora ligarmos os nossos computadores e procurarmos a informação em variadas fontes. Não é mais possível confiar na imprensa tradicional. Acabou-se o tempo dos ideais. Vivemos num contexto de luta pelo poder puro e simples, de um grupo contra o outro, de disputas econômicas. É este o paradigma do tempo atual, não há mais esquerda ou direita no sentido político, há conveniências e só. É belo ver o gesto de alguém lutando pelo que é justo, pelo direito de defesa de sua escola de aviação.  

Eu penso que a justiça será feita, pois ainda acredito na justiça. Acho que há pessoas como o Presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, Abraham Lincoln e a Juíza Federal Cristina Garcez, capazes de interpretar a lei com imparcialidade e que deram ao Aeroclube o direito de defender-se adequadamente.

Viva Andreza! Quando olharmos o céu e virmos homens e mulheres colorindo as nuvens com os seus pára-quedas lembrem-se do gesto corajoso dela.