sexta-feira, 27 de maio de 2011

ANIVERSÁRIO CÓSMICO

Hoje eu experimentei uma inexplicável saudade cósmica; estava estudando outro assunto quando de repente me vieram à memória os momentos  iniciais de nosso universo e pensei  o que faríamos nós sem aquele big bang inicial. Lá fora caía uma chuva irregular;  tão simples e aleatória  como a previsão meteorológica para João Pessoa;  uma sensação de distância de eventos tão fortes como os que marcaram a origem das coisas que conhecemos.

 A saudade das coisas nas quais estamos imersos, não é como uma melancolia desencadeada pela ausência, mas uma sensação de que  estamos em movimento presos a leis gravitacionais que nos obrigam a girarmos uns em torno dos outros. 

Eu senti  como se hoje fosse o aniversário daquelas galáxias distantes que conhecemos apenas pelas fotografias da NASA;  então,  corri para a pastelaria e comprei um bolo de chocolate e pus sobre ele um fósforo aceso, tal que o mesmo pudesse se transformar  em cinzas e lá ficar como testemunha do que somos de fato, algo que se consome na brevidade dos séculos na linha do tempo.  Lembrando que o tempo em dimensões que somente a matemática pode enxergar não é linear como o que vemos nos ponteiros do despertador.

Enchi a boca de bolo e com um copo de guaraná, pus-me a ficar feliz com as possibilidades que o curtíssimo interlúdio consciente de nossas vidas proporciona. Ora, a vida são estes entreatos da consciência de vigília que colecionamos nos álbuns e recortes da memória,  que por ser algo biológico também sofre os movimentos de claros e escuros de suas prateleiras neurais.

Fui comendo o bolo e saboreando a nossa existência, nós que estamos agora sob a mesma abóbada, nestas voltas ao redor do sol;  o gosto do universo naquele chocolate amargo e denso e no suave gaseificado do guaraná, que era champagne, e agora por motivos estranhos à felicidade perdeu a sua denominação antiga.
Aquele bolo é como a saudade;  quando um dia pararmos á beira-mar  e pensarmos, sobre como ele estava gostoso e mesmo depois de tantos anos adiante,  ainda voltaremos àquela sensação de sabor; mesmo no filme final que se desenrolará  diante de nós nos instantes de passagem para outro plano, virá a lembrança daquela densa  guloseima. Quando tivermos vivido tudo, poderemos dizer que  valeu a pena parar por uns instantes enquanto o sol se punha e ter aquela gostosa saudade do dia, da maravilhosa luz da consciência que vivemos por tão breve instante.

Cada criatura, do hipopótamo , até  aquelas que somente os microscópios podem ver, tem também esta oportunidade de compartilharem do instante em podem estar juntas. É como se tudo o que existe tivesse um momento de simultaneidade e estes momentos são como uma identidade, uma marca tão forte como uma impressão digital do universo. Vale a pena parar para sentir este momento, e reverenciar as vezes em que se pode estar perto das pessoas para compartilhar com elas esta coisa que chamamos vida.

O vale das coisas felizes é este que estabelecemos com as nossas boas memórias das boas relações que edificamos com todas as coisas vivas;  estas redes de relacionamentos não tem uma data , nem uma localização geográfica e vivem no tempo muito além do que a imaginação possa arquitetar.

Há mais coisas que esta saudade cósmica poderia nos ensinar e que a meditação poderia ajudar a revelar.  Um grande amigo me disse que estes instante solitários de saudade cósmica são estágios necessários para descobertas importantes.

Assim, cuidei de não comer todo o bolo, para que pudesse lembrar de que as coisas boas devem deixar uma presença, uma aura que se estica além de sua presença material. Comer tudo somente me afastaria do momento de fazer aquela festa para o aniversário hipotético do nascimento do universo. Uma festa como essa precisa ser repetida outras vezes e por motivos singelos, sem qualquer pompa, e secretamente de cada qual consigo mesmo.

Entre todos os mistérios da existência, este de sentir-se bem consigo próprio,  sem mentiras nem artifícios, é algo muito poderoso que precisa de mais atenção neste mundo onde tudo é feito para compor a fantasia do que se representa em sociedade; este grande palco de vaidades que consome tantas energias.  

A ciência pode medir a velocidade das coisas que se afastam daquele centro de onde, ainda,  tudo  vem para o mundo da existência.  Olhando para aquele  ponto de onde tudo começou, e continua a recomeçar, num movimento infinito, com o gosto de chocolate na boca, desejei  um feliz aniversário ao universo e segui olhando para as primeira estrelas que apareciam no firmamento.  

sexta-feira, 13 de maio de 2011

JORNADA PARA OS ANCESTRAIS


As mitologias nos chegam através de suas matrizes mais famosas, os deuses gregos e romanos, as divindades egípcias e tantas outras que foram popularizadas pela mídia. Todas elas comungam do fato de que seus deuses estão distantes das criaturas comuns. Estão acima das capacidades humanas.  Tais mitologias têm servido de guia para o reino interior  de cada pessoa conforme os mais variados sistemas religiosos e também das práticas divinatórias, como a astrologia e o tarô.
Existem caminhos para o reino interior que são construídos por cada pessoa e por cada grupo social. Estes caminhos constituem-se na mitologia particular de cada um. Uma nação, por exemplo, conta a si mesma estórias que lhe reforçam a identidade; A mesma coisa um estado, uma cidade e um time de futebol ou grupo de amigos.
No prefácio do livro Mitologia Pessoal de David Feinstein e Stanley Krippner, a doutora June Singer diz que os mitos pessoais são geralmente confundidos com crenças errôneas, que não são simples estórias que você conta para si mesmo, mas sim "uma vibrante infra-estrutura que fornece informações sobre a sua vida, tenha você consciência dela ou não”.
Roland Barthes em seu livro Mitologias já tinha ampliado este conceito de mitologia a outras práticas que não somente aquelas que tinham algum paralelo com as culturas antigas. Do ponto de vista desta estória pessoal estruturante, temos a fábula de Paulo Coelho em seu livro "O Alquimista" relatando sobre a existência de uma lenda pessoal.
É uma grande aventura procurar investigar a própria mitologia pessoal e expandir a sua consciência  para além das limitações da compreensão  cotidiana. O livro Mitologia Pessoal, citado acima, propõe um modo de descobrir o sua história interior através de rituais, dos sonhos e da imaginação.
Os rituais propostos são de natureza simbólica e devem ser conduzidos como um jogo criativo. O primeiro ritual é a jornada de volta aos seus ancestrais. É um ritual de apresentação da mitologia pessoal e pede ao participante que imagine uma ida ao ponto de origem de sua mitologia. É uma viagem extremamente simples que consiste em imaginar de onde vem todas as coisas que hoje se encontram em você.
O ritual pode ser feito assim: Vá para uma sala ampla que lhe permita dar alguns passos para trás. Coloque-se na posição atual e verifique qual é o seu mundo agora, quais as suas maiores preocupações, quais as suas principais fontes de satisfação, como compreende a sua posição na sociedade, suas limitações, privilégios e responsabilidades; se também acredita ou percebe que alguma força superior preside os destinos humanos. Depois de fazer este inventário  a partir de você mesmo no agora, vá à segunda etapa.
Dê um passo para trás e imagine-se entrando no corpo de seu pai (ou de figura masculina equivalente) se for homem, ou de sua mãe (ou de figura feminina equivalente)  se for mulher, faça isso como se vestisse a pele deles como naquele filme " Quero ser John Malkovich”( Being John Malkovich), do mesmo modo que fazem os atores com as suas personagens, coloque-se no lugar dele sabendo que não é ele. Então desta posição usando a imaginação verifique qual é o mundo de seu pai (ou mãe), o que ele via, ouvia e sentia, quais eram as suas maiores preocupações, quais as fontes de prazer, como compreendia a sua posição na sociedade, suas limitações, privilégios e responsabilidades e se acreditava em alguma força superior acima da criatura humana. Faça este  inventário e dramatize o que sabe da vida desta pessoa. Feito isso vamos para a terceira etapa.
Dê outro passo para trás e imagine-se entrando no corpo de seu avô e cumprindo os mesmos passos da etapa anterior. Lembre-se de tomar consciência das posições inicial, que era você mesmo, a segunda posição que era o seu pai ou sua mãe, conforme o caso. Terminada esta fase vamos para quarta etapa.
Dê um outro passo para trás e imagine-se entrando no corpo de seu tataravô ou tataravó, conforme seja o seu caso. Repita todos os passos anteriores. Agora tome consciência das posições anteriores e da sua posição atual. Lembre-se que é um jogo criativo de viagem no tempo. Desta última posição, faça o caminho de volta indo para a terceira, a segunda e a primeira posição, mas a cada etapa vá construindo um poema épico sobre si mesmo, contando de onde você vem. Ao retomar a primeira posição refaça as suas questões sobre a vida e o mundo e volte-se para as outras posições recordando aspectos fundamentais de cada uma para você atualmente.
Este é um primeiro exercício, que traz consigo os rituais seguintes que ensinam que os mitos pessoais podem ser reconstruídos, resignificados e transformados em outras coisas. Através da imaginação é possível curar o passado e apontar para a construção de um futuro feliz.