quinta-feira, 21 de abril de 2011

O MEDO DA ESTÉTICA OFICIAL



O medo de dizer a a própria opinião é algo que se instaurou em alguns colegas artistas da Paraíba. Não que esteja havendo uma censura estatal patrocinada por poderosos aparelhos repressivos oficiais. Ao contrário o atual governo estadual em seus poucos mais de cem dias de existência tem anunciado que não está controlando e nem pretenderá no futuro cercear a liberdade de expressão de ninguém. Mas o que temem os artistas não é a mordaça física e sim a mordaça econômica num Estado ainda tão pobre como o nosso onde qualquer migalha para a atividade cultural é um tesouro inestimável.

O governo estadual atual vem de uma bem sucedida política cultural de controle estético a nível municipal experimentada na capital João Pessoa. Os artistas e intelectuais não alinhados com a estética oficial escaldados como gatos com medo de água fervente veem diante de si uma trajetória de longos quatro anos podendo se tornarem longuíssimos 8 anos de restrições econômicas aos projetos culturais fora das vontades estéticas dos atuais ocupantes do poder. Assim é compreensível o temor.

Já dizia Brecht em um de seus textos que as pessoas primeiro satisfazem a barriga e depois a moral, significando que o instinto de sobrevivência vem em primeiro lugar. Juntando a isso o exemplo de que vale tudo para se alcançar o poder, o que de fato é verdade, pois poder político algum se alcança de maneira pacífica e ética. Todos sabem que nos bastidores desta luta vale qualquer arma, pois o errado é perder. Todos criticam a “Lei do Gérson”. Pobre do Gérson que somente fez uma propaganda de cigarros. A hipocrisia geral condenou a tal lei de que se deve levar vantagem em tudo, mas esta é a lei vigente nos subterrâneos do poder. Por trás de opções de estado estão comprometimentos pessoais dos gestores com setores maiores da economia. Nenhuma ação existe solta como ato individual e autônomo; um administrador público que agir sozinho, estará fora do jogo rapidamente.

Então devemos procurar entender o que está por trás das ações do estado tentando enxergar além da superfície e numa projeção temporal longa. Onde estes atos de agora nos levarão, quais sãos os setores da indústria cultural que será favorecida, quais os cenários possíveis enquanto durar a passagem deste coletivo político pelo poder? Estas questões nos ajudarão a compreender melhor os nossos governantes e suas opções de interferência estética. Primeiramente, é preciso aceitar que o grupo governante possui um mandato eletivo para executar a sua política. As pessoas tem o direito de discordarem e vão ter que dispor de coragem para dizê-lo publicamente. O governo dará ouvido se quiser. No momento atual, o nosso governo ainda está na fase de adaptação e autoafirmação; eles são governo, mas ainda se sentem sindicalistas numa trincheira trabalhista.

Os artistas devem falar o que pensam verdadeiramente, sem adaptações, pois os governos passam e os criadores continuam com a sua obra. É muito estranho escutar as opiniões de algumas pessoas que mudaram da água para o vinho o seu discurso em busca de participarem da distribuição de recursos entre os alinhados com a estética estatal. Dizem-me que são os novos tempos, a nova Paraíba, e que a vida é curta e cada qual deve ir fazendo o seu pé de meia para uma aposentadoria tranquila; uma nova versão da lei do Gérson, esta poderia ser rebatizada como a Lei do Girassol oportunista.

Não há regras para se enfrentar uma situação como essa pela qual passam os artistas e intelectuais paraibanos. Há um grande grupo de ambos os lados. Creio que devemos ter paciência. Um dia, o vento levará tudo isto e ao olharmos para trás veremos somente as cinzas das vaidades dos governantes que achavam que podiam tudo, que eram senhores de tudo e que podiam impor as suas vontades pois acreditavam que “governar era somente contrariar interesses”. Numa democracia é preciso encontrar pontos de equilíbrio entre os vários interesses conflitantes.
Viver com medo produz reações inesperadas. Não está longe o momento em que a arte, principalmente a comédia irá equacionar este cenário, seus personagens, de rei, rainha, nobres, cortesões e servos. Há de surgir um Mateus, ou um Benedito, ou um Pedro Malazarte que irá colocar em xeque esta situação. Apenas torço para que esta personagem não se materialize em mais um político e desvirtue a função sagrada da arte. De políticos artistas basta-nos o pastelão atual de nossas representações parlamentares com honrosas exceções.

Mas se o medo doer na alma espere mais cem dias de governo. Se não melhorar o pavor, espere mais cem. De cem em cem se chegará longe, muito além do que podem andar o atual grupo político no poder e então você estará livre para falar com liberdade. Mas não se esqueça que o tempo é agora, sempre agora, seja que governo for. Portanto, diga agora o que sente no coração.


terça-feira, 19 de abril de 2011

A CHUVA BENTA

No último Domingo de Ramos, festa importante do catolicismo, estava na missa solene das cinco horas da tarde quando a chuva que assola a cidade de João Pessoa tornou-se intensa. A igreja de Santa Júlia foi concebida num estilo arquitetônico coerente com as lutas ambientais de economia de energia. Assim a ventilação do templo é feita através de aberturas que conduzem as correntes de ar para o interior da edificação. Mas quando é inverno, às vezes, a chuva entra na nave principal em forma de uma nuvem finíssima como uma benção especial sempre lembrada pelo pároco Monsenhor Virgílio.


Neste último domingo este evento que já adquiriu ares de tradição religiosa repetiu-se com grande beleza. A força do evento criou uma nuvem que fazia movimentos espiralados cobrindo a todos com este manto de bênçãos. No início da celebração, o padre havia feito a benção dos ramos que servem à exaltação da entrada de Jesus em Jerusalém. Quando a chuva trouxe a sua presença alguns fiéis desconhecedores desta tradição da Igreja de Santa Júlia chegaram a abrir guarda-chuvas no interior da igreja.

O presidente da celebração, no entanto, bendisse a Deus pela oportunidade daquela névoa lembrando que o nosso templo nos dava a convivência com os fatos naturais e que durante o verão éramos agraciados com a ventilação intensa e saudável. Os guarda-chuvas fecharam-se diante do milagre de uma chuva benta que caia sobre a cabeça de todos e nesta fé acredito que muitos incômodos do corpo e do espírito foram curados.

Neste ano quando a campanha da Fraternidade chamou a atenção para o descaso das pessoas para com a natureza tivemos a coincidência deste evento natural. A atitude do pároco serviu para alertar as pessoas de que a natureza não é para ser temida nem destruída, mas que ela é verdadeiramente o lugar que nos foi dado para ser guardada. São Francisco de Assis bendizia a irmã chuva. E agora ela estava sobre nós. Materializando outro tipo de relação com a natureza, não mais o medo e sim um carinho com a criação divina. Claro que o excesso de águas sobre a nossa cidade tem merecido cuidados das autoridades que inclusive já decretaram estado de emergência. E não se trata de se expor às águas frias sem proteção, pois se constitui neste caso uma atitude de imprudência.

A chuva benta vem se repetindo a cada ano e noto que as pessoas não mais se assustam com isto, mas já incorporam à sua vivência religiosa. A convivência com os elementos naturais é uma característica do catolicismo que vê na natureza a obra visível de Deus, como lembra a catequese do texto da CNBB, Sou Católico, vivo a minha fé, citando o Salmo 8, "Ó Senhor, nosso Deus, como é glorioso teu nome em toda a terra! Sobre os céus se eleva a tua majestade!”.

Monsenhor Virgilio tem enfatizado em suas homilias esta relação dos cristãos com os fenômenos naturais lembrando que a harmonia se produz pela convivência saudável. Creio que ninguém tenha adoecido de qualquer coisa causada pela névoa que penetrou o templo. Antes vejo que todos já tomam este fato como algo miraculoso que abençoa a todos. A chuva deixou de ser algo incômodo para se incorporar às relações dos fiéis com a igreja.

A grande lição para os mais jovens é que a tarefa de amar a natureza envolve coexistir com os seus fenômenos. É necessário trabalhar pela preservação dos ritmos originais que evitam as catástrofes. O bem estar é uma tarefa coletiva. O futuro depende do respeito à vida em todas as suas manifestações. A Igreja Católica tem propugnado por bandeiras que são rechaçadas pela mídia contemporânea como coisas atrasadas e de mentalidade retrógrada. No entanto, vemos que estas lutas empreendidas pela Igreja apontam para a construção de um equilíbrio planetário.

A água que vem sobre a assembléia durante as chuvas do inverno em forma de suave névoa ajudam a compreender a necessidade de não partir para as soluções fáceis, tais como transformar o templo numa caixa climatizada. Certos confortos deseducam as pessoas. Hoje, mais do que antes, é necessário aprender a dialogar com as forças da natureza. Acabou-se o tempo em que valia a máxima de que a natureza deveria ser dominada e colocada a serviço da humanidade. Está ficando cada vez mais claro que este tipo de pensamento está ultrapassado. A terra é um organismo vivo e como tal responde a todas as agressões à sua integridade.

O planeta Terra é para ser cuidado, acarinhado como alguém de nosso coração. Em termos mais gerais nós não apenas moramos sobre a sua superfície, mas também somos partes dela.

É preciso que saibamos agradecer a chuva benta da Igreja de Santa Júlia.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O DERRADEIRO INSTANTE

Vamos pensar sobre a última hora, sobre aquelas coisas que deixamos para o último minuto.

Fico pensando qual será a motivação profunda deste comportamento, de onde vem esta coisa que faz com que deixemos uma tarefa para o último instante. Talvez seja o prazer de andar pela beira do precipício, pois é claro que as coisas que devem ser realizadas em cima do prazo assemelham-se aos perigos dos lugares difíceis e que podem nos custar a vida e a realização de nossos sonhos.

É como uma necessidade de esperar pelo instante da verdade onde seremos capazes de descortinar o verdadeiro sentido das coisas. Acho que deve ser uma necessidade premente de tentar permanecer no útero por mais alguns dias;  ver que esta espera ainda assim terá que acabar e nós teremos que descer para a realidade do mundo. Mas venhamos e convenhamos  que este último minuto, é como o último trem, aquele sem o qual não poderemos retornar, é a certeza de que este último trem nos levará para o nosso destino. Um medo de que as primeiras locomotivas poderiam nos desviar.

Assim este desassossego de enfrentar cotidianamente as tarefas que se escoram nas sombras dos ponteiros dos relógios,  esta urgência em se esconder do “agora”  é uma característica de nossa civilização tecnológica. Tudo se tornou tão fácil e previsível que é possível ganhar minutos, mas tem coisas que não podem ter o mesmo tratamento, como se tudo pudesse ser resolvido chamando um taxi que nos levasse de pronto para um lugar no qual  tudo estaria em ordem. 

Burlamos o tempo para tomar mais um cafezinho, mas tem coisas que nem a máquina de teletransporte temporal poderá nos fazer ganhar porque dependem de maturação, de plantio, de cuidados e do tempo certo para a colheita.  Esta é outra imagem que se levada pelo lado errado, pode fazer com que sejamos como aquele agricultor que do alpendre de sua casa joga as sementes em direção ao campo e vai para a rede dormir,  acreditando que as sementes farão sozinhas todo o trabalho, inclusive o de colherem-se  a si próprias  e irem depois para a panela  cozinharem-se  para que o referido homem apenas levante-se e a refeição esteja à mesa. O  cumulo do comodismo!

 Somos de uma civilização que cultua  o minuto derradeiro. Imaginem que também do ponto de vista global estamos fazendo a mesma coisa com a questão ambiental, de um modo geral, estamos coletivamente acreditando que mais tarde quando as coisas ficarem mais complicadas a ciência descobrirá uma pílula efervescente instantânea que recomporá a camada de ozônio.  E assim vamos todos neste brinquedo perigoso com o tempo, sentindo um frio na espinha com estas coisas, quando vemos acidentes naturais como este que vitimou o Japão. Alguns argumentam que aquilo já ocorre naquela região há milhões de anos, mas também não custa perceber que estes fenômenos estão cada vez mais freqüentes.

Há os mais medrosos que já vêem o fim do mundo na profecia Maia;  tem até manual de sobrevivência para 2012.  O mais preocupante é que se de fato o calendário Maia estiver correto, as pessoas somente procurarão abrigo um minuto antes de a onda gigante avançar para o continente tragando tudo.  Conheço algumas pessoas que estão se preparando para irem para o planalto central para escaparem da profecia Maia. 

A síndrome do último minuto é como uma paixão pelo desafio às profecias, inclusive aquelas que profetizamos para nós mesmos: quais devem ser as nossas tarefas e em que prazo queremos que elas ocorram. Fazemos  de tudo para fugir  da possibilidade de  não ter que esperar o último instante. Como dizia um amigo, “este último minuto é o mais encantador, pois  justifica as coisas que não puderam ser feitas”. Isto talvez sirva de explicação para  esta síndrome,  a idéia de que se não podemos ser perfeitos, então vamos justificar as nossas imperfeições na pressa do derradeiro instante.

Na compreensão de nossos limites e imperfeições está a cura deste vício de procrastinação. Devemos acreditar que podemos  fazer o que tem que ser feito sem a pressão de deve ser perfeito.  A perfeição estará em executar a tarefa ali no momento preciso sem se ater ao drama do que vão dizer;  o nosso principal espectador somos nós mesmos.

Os hedonistas irão dizer que vale mais a pena esperar e que este é  um papo furado que funciona para os obcecados. Esta é a opinião de muitos.

Seria preferível olharmos para os nossos minutos de vida com mais clemência. Somos, vez ou outra,  vitimas destas paralisias dos ponteiros da alma.