segunda-feira, 4 de abril de 2011

O DERRADEIRO INSTANTE

Vamos pensar sobre a última hora, sobre aquelas coisas que deixamos para o último minuto.

Fico pensando qual será a motivação profunda deste comportamento, de onde vem esta coisa que faz com que deixemos uma tarefa para o último instante. Talvez seja o prazer de andar pela beira do precipício, pois é claro que as coisas que devem ser realizadas em cima do prazo assemelham-se aos perigos dos lugares difíceis e que podem nos custar a vida e a realização de nossos sonhos.

É como uma necessidade de esperar pelo instante da verdade onde seremos capazes de descortinar o verdadeiro sentido das coisas. Acho que deve ser uma necessidade premente de tentar permanecer no útero por mais alguns dias;  ver que esta espera ainda assim terá que acabar e nós teremos que descer para a realidade do mundo. Mas venhamos e convenhamos  que este último minuto, é como o último trem, aquele sem o qual não poderemos retornar, é a certeza de que este último trem nos levará para o nosso destino. Um medo de que as primeiras locomotivas poderiam nos desviar.

Assim este desassossego de enfrentar cotidianamente as tarefas que se escoram nas sombras dos ponteiros dos relógios,  esta urgência em se esconder do “agora”  é uma característica de nossa civilização tecnológica. Tudo se tornou tão fácil e previsível que é possível ganhar minutos, mas tem coisas que não podem ter o mesmo tratamento, como se tudo pudesse ser resolvido chamando um taxi que nos levasse de pronto para um lugar no qual  tudo estaria em ordem. 

Burlamos o tempo para tomar mais um cafezinho, mas tem coisas que nem a máquina de teletransporte temporal poderá nos fazer ganhar porque dependem de maturação, de plantio, de cuidados e do tempo certo para a colheita.  Esta é outra imagem que se levada pelo lado errado, pode fazer com que sejamos como aquele agricultor que do alpendre de sua casa joga as sementes em direção ao campo e vai para a rede dormir,  acreditando que as sementes farão sozinhas todo o trabalho, inclusive o de colherem-se  a si próprias  e irem depois para a panela  cozinharem-se  para que o referido homem apenas levante-se e a refeição esteja à mesa. O  cumulo do comodismo!

 Somos de uma civilização que cultua  o minuto derradeiro. Imaginem que também do ponto de vista global estamos fazendo a mesma coisa com a questão ambiental, de um modo geral, estamos coletivamente acreditando que mais tarde quando as coisas ficarem mais complicadas a ciência descobrirá uma pílula efervescente instantânea que recomporá a camada de ozônio.  E assim vamos todos neste brinquedo perigoso com o tempo, sentindo um frio na espinha com estas coisas, quando vemos acidentes naturais como este que vitimou o Japão. Alguns argumentam que aquilo já ocorre naquela região há milhões de anos, mas também não custa perceber que estes fenômenos estão cada vez mais freqüentes.

Há os mais medrosos que já vêem o fim do mundo na profecia Maia;  tem até manual de sobrevivência para 2012.  O mais preocupante é que se de fato o calendário Maia estiver correto, as pessoas somente procurarão abrigo um minuto antes de a onda gigante avançar para o continente tragando tudo.  Conheço algumas pessoas que estão se preparando para irem para o planalto central para escaparem da profecia Maia. 

A síndrome do último minuto é como uma paixão pelo desafio às profecias, inclusive aquelas que profetizamos para nós mesmos: quais devem ser as nossas tarefas e em que prazo queremos que elas ocorram. Fazemos  de tudo para fugir  da possibilidade de  não ter que esperar o último instante. Como dizia um amigo, “este último minuto é o mais encantador, pois  justifica as coisas que não puderam ser feitas”. Isto talvez sirva de explicação para  esta síndrome,  a idéia de que se não podemos ser perfeitos, então vamos justificar as nossas imperfeições na pressa do derradeiro instante.

Na compreensão de nossos limites e imperfeições está a cura deste vício de procrastinação. Devemos acreditar que podemos  fazer o que tem que ser feito sem a pressão de deve ser perfeito.  A perfeição estará em executar a tarefa ali no momento preciso sem se ater ao drama do que vão dizer;  o nosso principal espectador somos nós mesmos.

Os hedonistas irão dizer que vale mais a pena esperar e que este é  um papo furado que funciona para os obcecados. Esta é a opinião de muitos.

Seria preferível olharmos para os nossos minutos de vida com mais clemência. Somos, vez ou outra,  vitimas destas paralisias dos ponteiros da alma.

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