terça-feira, 19 de abril de 2011

A CHUVA BENTA

No último Domingo de Ramos, festa importante do catolicismo, estava na missa solene das cinco horas da tarde quando a chuva que assola a cidade de João Pessoa tornou-se intensa. A igreja de Santa Júlia foi concebida num estilo arquitetônico coerente com as lutas ambientais de economia de energia. Assim a ventilação do templo é feita através de aberturas que conduzem as correntes de ar para o interior da edificação. Mas quando é inverno, às vezes, a chuva entra na nave principal em forma de uma nuvem finíssima como uma benção especial sempre lembrada pelo pároco Monsenhor Virgílio.


Neste último domingo este evento que já adquiriu ares de tradição religiosa repetiu-se com grande beleza. A força do evento criou uma nuvem que fazia movimentos espiralados cobrindo a todos com este manto de bênçãos. No início da celebração, o padre havia feito a benção dos ramos que servem à exaltação da entrada de Jesus em Jerusalém. Quando a chuva trouxe a sua presença alguns fiéis desconhecedores desta tradição da Igreja de Santa Júlia chegaram a abrir guarda-chuvas no interior da igreja.

O presidente da celebração, no entanto, bendisse a Deus pela oportunidade daquela névoa lembrando que o nosso templo nos dava a convivência com os fatos naturais e que durante o verão éramos agraciados com a ventilação intensa e saudável. Os guarda-chuvas fecharam-se diante do milagre de uma chuva benta que caia sobre a cabeça de todos e nesta fé acredito que muitos incômodos do corpo e do espírito foram curados.

Neste ano quando a campanha da Fraternidade chamou a atenção para o descaso das pessoas para com a natureza tivemos a coincidência deste evento natural. A atitude do pároco serviu para alertar as pessoas de que a natureza não é para ser temida nem destruída, mas que ela é verdadeiramente o lugar que nos foi dado para ser guardada. São Francisco de Assis bendizia a irmã chuva. E agora ela estava sobre nós. Materializando outro tipo de relação com a natureza, não mais o medo e sim um carinho com a criação divina. Claro que o excesso de águas sobre a nossa cidade tem merecido cuidados das autoridades que inclusive já decretaram estado de emergência. E não se trata de se expor às águas frias sem proteção, pois se constitui neste caso uma atitude de imprudência.

A chuva benta vem se repetindo a cada ano e noto que as pessoas não mais se assustam com isto, mas já incorporam à sua vivência religiosa. A convivência com os elementos naturais é uma característica do catolicismo que vê na natureza a obra visível de Deus, como lembra a catequese do texto da CNBB, Sou Católico, vivo a minha fé, citando o Salmo 8, "Ó Senhor, nosso Deus, como é glorioso teu nome em toda a terra! Sobre os céus se eleva a tua majestade!”.

Monsenhor Virgilio tem enfatizado em suas homilias esta relação dos cristãos com os fenômenos naturais lembrando que a harmonia se produz pela convivência saudável. Creio que ninguém tenha adoecido de qualquer coisa causada pela névoa que penetrou o templo. Antes vejo que todos já tomam este fato como algo miraculoso que abençoa a todos. A chuva deixou de ser algo incômodo para se incorporar às relações dos fiéis com a igreja.

A grande lição para os mais jovens é que a tarefa de amar a natureza envolve coexistir com os seus fenômenos. É necessário trabalhar pela preservação dos ritmos originais que evitam as catástrofes. O bem estar é uma tarefa coletiva. O futuro depende do respeito à vida em todas as suas manifestações. A Igreja Católica tem propugnado por bandeiras que são rechaçadas pela mídia contemporânea como coisas atrasadas e de mentalidade retrógrada. No entanto, vemos que estas lutas empreendidas pela Igreja apontam para a construção de um equilíbrio planetário.

A água que vem sobre a assembléia durante as chuvas do inverno em forma de suave névoa ajudam a compreender a necessidade de não partir para as soluções fáceis, tais como transformar o templo numa caixa climatizada. Certos confortos deseducam as pessoas. Hoje, mais do que antes, é necessário aprender a dialogar com as forças da natureza. Acabou-se o tempo em que valia a máxima de que a natureza deveria ser dominada e colocada a serviço da humanidade. Está ficando cada vez mais claro que este tipo de pensamento está ultrapassado. A terra é um organismo vivo e como tal responde a todas as agressões à sua integridade.

O planeta Terra é para ser cuidado, acarinhado como alguém de nosso coração. Em termos mais gerais nós não apenas moramos sobre a sua superfície, mas também somos partes dela.

É preciso que saibamos agradecer a chuva benta da Igreja de Santa Júlia.

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