quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

FEIJÃO



A arte culinária é algo misterioso. Não bastar seguir as receitas que estão nos livros. Há algum segredo que somente os iniciados conhecem.  Todos estes livros que estão à disposição do público são mentirosos. Sei disso porque já tentei inúmeras vezes fazer um feijão comum, daqueles que se come na casa da mãe ou num boteco do mercado da torre. O meu feijão simplesmente não me obedece,  já tentei de tudo,  até acendi umas velas e uns incensos para inspirar os grãos a me obedecerem.
   
Certa  vez passei cinco horas no fogão tentando fazer com que ele ficasse mole  num ponto aceitável para a mastigação. Ao final obtive um amalgama de massa feijônica que se fosse jogado contra uma parede ficaria grudada lá,  como uma meleca gelatinosa que as crianças brincam de jogar nas paredes.

Naquele dia, para não viver a humilhação, decidi que este seria o feijão da semana, mas para comê-lo primeiramente tive que aceitar a recusa dos que dividiam a refeição comigo. Tudo bem, eu sabia que as leis da química eram democráticas e funcionavam para todos. Assim, parti para comer a minha gororoba. “Gororoba”,  foi este o nome que recebeu a minha criação culinária. Eu mesmo me arrependi de tê-la colocada na boca. Ela mais parecia àquela massa grudenta da maçã do amor que comemos na festa da padroeira de nossa cidade.

Bem, disse-me a minha querida namorada:  “feijão deve-se por de molho”.  Ela disse isso, sem nunca ter fritado um ovo,  para humilhar as minhas inabilidades no fogão. Tudo bem, se é para por de molho, então eu vou por de molho e para garantir que não iria ficar duro, resolvi deixar de molho por cinco dias. Mas o resultado foi diverso, algumas sementes chegaram a brotar. Ficou lindo, mas o feijão não deu sinais de que iria ficar bom pois estava com um certo azedume no odor.

Então resolvi fazer campana e espionar a faxineira fazer o feijão. Ela para a minha desdita e suprema queda na escala da inteligência humana, chegou de manhã cedo, mediu duas xícaras de feijão, espalhou-os na mesa, catou as sementes uma a uma, depois as lavou e  colocou- as na panela com água e sal. E eu fiquei murmurando com os meus botões, quero ver este feijão castigá-la por cinco horas e ainda virar um tijolo, mas fiquei estupefato, em pouco mais de sessenta minutos , lá estava o feijão soltinho e gostoso. Fiquei pensando que ela aproveitou algum momento de distração e colocou alguma substancia ácida amolecedora e mágica  que somente algumas mulheres guardam entre si e passam uma para as outras secretamente. Quando eu perguntei o que ela havia colocado no feijão, ela me respondeu, ora, água, sal,colorau, um pouco de cominho e carne de charque. Só isso, perguntei. E ela respondeu: só, o senhor queria que eu colocasse  lingüiça calabresa?

Calei-me e fui acabrunhado me deitar para entregar-me a uma profunda meditação: por que o feijão, o mesmo grão se recusava a ser cozinhado por mim? Por isso acho que há alguma feitiçaria envolvida,  alguma oração de santo amolecedor de feijão. Já pesquisei no Google, mas não encontrei nem uma criatura do mundo espiritual com esta função específica.

A minha outra tentativa foi ainda mais jururu. Resolvi usar o forno microondas, que conforme a lei da física cozinha os alimentos de dentro para fora. Seria o meu ataque fatal ao coração do feijão, pois já que ele encruava e me fazia de bobo num cozimento normal, queria ver como reagiria a um ataque molecular com ondas de energia. Copiei uma receita da internet,  assisti alguns vídeos  e fiz um roteiro detalhado. Usei um cronometro para não deixar passar nenhum tempo de cada etapa.

imaginem que o microondas ficou um grude só de feijão, pois o mesmo explodiu dentro do forno. É verdade que a massa ficou até comestível e ainda tentei comer como feijão moído. Limpar o forno microondas exigiu  paciência e resignação. Por fim decidi comprar umas caixinhas de feijão que já vem pronto. É só tirar da caixa e servir, não precisa nem colocar no fogo para esquentar.  

A minha namorada fez o diagnóstico astrológico de meu caso dizendo que como eu sou de um signo de água, então qualquer coisa que envolva fogo será muito trabalhosa para mim. Acho que isto é apenas uma estratégia da grande confraria feminina que governa o mundo desde os mais antigos tempos. Algumas receitas estão tão bem  guardadas que mesmo publicadas em livros são inacessíveis aos olhos profanos. Fazer um feijão decente é uma delas.

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